Ler com Prazer:  Um projeto de alfabetização

…precisa acabar o fingimento de que está educando, apenas porque consegue matricular um pouco mais de crianças. Educação é tão importante que nenhum governo tem o direito de manipular os dados para dar a impressão de que as coisas vão bem”. Cristovam Buarque, ministro da Educação (O Estado de São Paulo, 9 de julho de 2003)


Dados e considerações gerais

Na cidade de S. Paulo com mais de 2.700 escolas oficiais de Ensino Fundamental, cerca de 38% dos alunos do 4º ano não estão alfabetizados.
O Brasil continua ocupando desonrosos lugares na rabeira de pesquisas internacionais sobre alfabetização..

A corretíssima política do governo FHC de trazer para a rede de ensino TODAS as crianças veio acompanhada de um impasse. Decorrentes das condições extremamente precárias de inúmeras famílias, constataram-se enormes dificuldades de acompanhamento para uma parcela considerável de alunos.

O exército de analfabetos de mais de 15 anos que o Ministério e todas as Secretarias Estaduais e Municipais da Educação estão empenhados em volatilizar está, assim, sendo reforçado, ao final de cada ano, por esse enorme contingente de alunos que as escolas não estão conseguindo instruir adequadamente.

Desde 2003, quando idealizei o LER COM PRAZER, a partir do quadro da época, a situação das escolas públicas não mudou muito. Em 2007 o Saresp (Sistema de avaliação de rendimento escolar do Estado de S. Paulo) verificou que mais da metade das escolas estaduais paulistas apresentaram indicadores abaixo das médias do Índice de Desenvolvimento de S. Paulo (Idesp), ou seja, 55% das escolas de 1ª. a 4ª. séries não alcançaram a média 3,23, numa escala de 0 a 10. Avaliações mais recentes não registraram grandes mudanças no quadro.

Se o nó górdio é o corpo docente, cujos limites de formação impedem enfrentar a contento os complicadores advindos do cenário acima (e esforços para reverter essa situação, vêm sendo propalados), não é possível aguardar essa reengenharia (isso levará anos) para estancar a enorme perda de capacitação humana que o sistema está criando. São milhares de crianças a cada ano que perdem a oportunidade de se inserirem no contexto social, com instrumental para acompanharem as conquistas do nosso tempo e do nosso país e usufruírem delas. São milhares de crianças que, apesar de terem merecido atenção e verbas públicas durante 4 anos, continuarão à margem da sociedade.

O que se propõe com o LER COM PRAZER é um atendimento especial a essas crianças, que deverá vigorar enquanto o sistema educacional chamado de “progressão continuada” não tiver encontrado, dentro do orçamento e quadros oficiais, e na atual configuração das redes, uma forma de ajudá-las concretamente. As aulas de recuperação, quando são efetivamente ministradas, não estão apresentando os resultados esperados. Aliás, o que se propõe aqui poderá perfeitamente, num segundo momento, ser incorporado à rede pública, sem maiores traumas, respeitada a forma e valores indicados.

Gênese do projeto
O projeto nasceu de minhas visitas a escolas públicas estaduais ligadas à Regional Sul1, a partir de 2002, para escrever histórias com os alunos do 4º ano de recuperação de ciclo. Chamei de Projeto Escreva Comigo, esse trabalho voluntário. Leia mais…
Durante as visitas às escolas, pude constatar a enorme distância entre o objetivo dessa série (recuperar o nível da classe para o dicente a fim de que seguisse para a 5a. série) e a realidade. Era evidente (e as avaliações da Secretaria certamente não me desmentiram) que o auxílio dado ao aluno que não conseguira acompanhar o seu ano (me refiro a TODOS OS ANOS, de 1º ao 4º.) não atingira o resultado esperado. O reforço de 4 horas/aula por semana ao longo dos quatro anos fracassara em apresentar resultados significativos. Assim, propus, em parceria com a professora alfabetizadora Lena Bartman, um ATENDIMENTO DIFERENCIADO a essas crianças (atendimento que seria financiado pela iniciativa particular) voltado para a questão da alfabetização, cuja não-efetivação comprometia todo o desenvolvimento intelectual (e conseqüentemente social) da criança.

Estrutura básica do atendimento
Pedagoga, com longa experiência em alfabetização e formação de professores alfabetizadores na rede particular e pública de S. Paulo, Lena Bartman, foi a orientadora pedagógica do projeto e deu um curso de 45 horas/aula com viés construtivista, para educadores formados em pedagogia ou áreas afins. Professores aposentados que quisessem retornar à sala de aula foram aceitos no curso.
Ao final do curso, foram selecionados os educadores que passaram a atender grupos de 10 a 15 crianças, separadas por ano..
Os educadores acompanharam cada grupo por dois períodos semanais de duas horas. Cada educador atendeu duas séries por dia, ou seja, 4 séries diferentes por semana, com uma carga horária total de 16 horas/aula. Houve quatro encontros mensais de 3 horas cada, com a orientadora pedagógica.


Como foi o trabalho junto aos alunos

As dificuldades na alfabetização têm inúmeras causas. Grosso modo, elas são físicas ou emocionais . Deixando de lado as físicas (retardo intelectual, deficiência visual ou auditiva, dislexia ) que poderão ser facilmente detectadas, as emocionais se concretizam na não apropriação das diversas etapas da construção da compreensão do sistema da escrita. É preciso identificar em que estágio o aluno se complicou, para poder lhe oferecer o recurso específico. Embora inúmeras causas possam deter o processo de alfabetização, elas acabam se circunscrevendo a um universo perfeitamente detectável – o que não significa que seja facilmente reversível.
Assim, num primeiro momento, o treinamento visou ensinar aos educadores a identificar a/as causa/as de cada atraso.
Num segundo momento, foi fornecida aos educadores uma formação básica para poderem acompanhar cada caso.

Além da proposta inovadora de disponibilizar para os alunos um arsenal de leitura diversificado, utilizando livros infantis como material básico de trabalho, outras atividades ampliaram as experiências letradas das crianças: criação de cartazes e murais a partir de listas de nomes, mantimentos, países, etc., leituras compartilhada e silenciosa de bons textos narrativos, charadas, adivinhas, parlendas, letras de música, e muitas outras. Com isso, as lacunas da alfabetização dos vários grupos, foram acompanhadas de perto pelos educadores e pelas visitas da orientadora pedagógica às salas de aula, e enfrentadas num verdadeiro corpo-a-corpo.

Os encontros semanais com a orientadora pedagógica avaliaram o andamento do trabalho e examinaram as dificuldades específicas. Uma planilha com registros bimensais, deu conta de acompanhar, e disponibilizar aos interessados, a trajetória de cada aluno. Dessa forma, tanto o trabalho com cada estudante, quanto uma panorâmica do projeto, puderam ser examinados a qualquer momento, permitindo correção de rota e aprimoramentos.

ONDE JÁ FOI IMPLEMENTADO
– Em 12 escolas da rede estadual da Regional Sul1, atingindo 480 alunos, em 2004, durante seis meses, financiado pela Associação GMK de Assistência.
– Na Unibes – União Brasileiro-Israelita do Bem-Estar Social, ong localizada no Bom Retiro, com mais de 90 anos de atuação, com o apoio do Fumcad, em 2007 e 2008, atingindo 120 alunos.
– No POF (Posto de Orientação Familiar), ong localizada em Paraesópolis, de 2008 a 2012.

CUSTO
O custo do projeto equivale ao preço de 1 1/2 cesta básica por aluno, pelos oito meses de atendimento.

LER COM PRAZER – UM PROJETO DE ALFABETIZAÇÃO tem esperança de atingir uma porcentagem significativa das milhares de crianças que, a todo ano, sem se somarem às estatísticas perversas dos excluídos porque estando na escola não serão alinhadas nessas fileiras, veem vedado seu acesso ao crescimento que uma sociedade justa deveria lhes proporcionar.