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Já fazia tempo que não dava uma chuvarada daquela. Parecia que não teria fim. Eram apenas 7 e pouco da manhã e o pinga-pinga lá fora só aumentava.

Todo dia de aula com muita chuva não dava outra: Paulo saracoteando na cadeira até se esborrachar no chão; Sarah bocejando tanto que contagiava metade da turma do quarto ano; Israel, Gabriel, Ythan, Diego, Leonardo e Camile ensaiando um “posso ir ao banheiro?”; Kauã, Gustavo, Eduarda e eu nos debruçando (comportadamente, rsrsrs) sobre problemas de matemática como a tal da divisão por dois números.

Para afastar o sono que agarra a gente em dia de chuva, a professora Giovana pegou um livro de sua preciosa e abarrotada mochila:

       - Vamos lá, minha gente, todo mundo prestando atenção aqui. Vou ler pra vocês um conto...

       - Ah, ‘fessora, agora é que eu durmo mesmo! - reclamou Sarah.

       - Duvido, mocinha! É um conto de aventura!

       - Eba! - Foi uma gritaria só: a classe toda acordou de vez. Ficamos fissurados em aventura desde que a gente se revezou em classe, lendo alto quatro livros de uma coleção infanto-juvenil de detetives.

A bem da verdade, a gente já desconfiava, há algum tempo, que a professora era, assim,digamos...diferente...poderosa.

Sarah jurava ter visto Giô (como os alunos a chamavam), tirar da mochila e espalhar pela sala, um monte de estrelinhas perfumadas, antes dos alunos entrarem na sala. Algumas estrelinhas - ainda segundo Sarah que entendia de magia – ficaram grudadas no teto e soltavam fachos de luz de várias cores que nossa colega não soube  dizer pra que serviam. Mas eram...assim...intensos...e estavam sempre lá, no teto.

Pois quando Giô, naquela sua voz melodiosa, começou o “Era uma vez, muito, muito, muito tempo atrás, uma aldeia 

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de índios maromomis escondida no meio de uma floresta fechada, toda atravessada por nascentes e riachos...” aconteceu uma coisa absolutamente incrível: árvores imensas cercadas de densa vegetação apareceram na nossa frente e de repente estávamos numa floresta fechada e escura.

                ”...Os maromomis eram índios pacíficos, que tinham se refugiado naquela floresta perdida para se livrar dos brancos, e principalmente, de seus arqui-inimigos, os tupiniquins. Viviam em cavernas e em túneis escavados no chão, cuja entrada era camuflada com galhos e folhas.”

A voz de Giô agora soava ao longe...Era muito estranho: a classe toda, juntamente com a professora, parecia avançar, feito zumbi, floresta adentro.

Gritamos ao mesmo tempo, Maria e eu:

                — Ei, onde estamos?!!!

Leonardo, que lia muito sobre tribos indígenas, garantiu que aquela era a floresta onde viviam os tais maromomis da história da Giô.

Mesmo sabendo que eram índios pacíficos deu um pavor geral na turma, imaginando que poderiam nos confundir com os inimigos. E... de repente... VUPT! - uma flecha acertou o boné do João e foi se fixar no tronco de um pau-brasil. Pânico geral, gente correndo pra todo lado. Na confusão, caímos num grande buraco escavado no chão.

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            Todos estão bem? — perguntou Paulo.

           — Simmm! — respondemos quase que em uníssono.

           — Quem são vocês? - A voz grave e firme vinha de fora do buraco. Olhando pra cima vislumbramos os contornos de um índio pequeno e barrigudinho com um arco na mão esquerda e uma flecha com o boné do João na direita.

Apesar da escuridão que reinava dentro do buraco, 3 conseguimos nos agarrar em raízes e ir saindo, um a um. Para nosso  espanto, o índio, a flecha e o boné haviam sumido. E o cenário tinha mudado totalmente. Onde antes havia um filete de água que atravessamos num pulo, corria um rio bastante volumoso, que terminava numa cachoeira mais adiante.

Para lá do rio, um campo a perder de vista, aparentemente cultivado. E bem ao fundo, cabanas de sapé em círculo, parecendo uma aldeia, ao redor das quais grandes animais vagavam soltos. Animais estranhos...seriam dragões, mamutes, dinossauros...que maluquice?! Índios e animais pré-históricos?! Como assim?

Instintivamente nos juntamos ao redor da Giô, que para nossa surpresa não parecia nadinha assustada. Deslocava de um lado para o outro, calmamente, tirando fotos com o celular — coisa que nenhum de nós ousava pensar em fazer.

Camile balbuciou:

          ― Professora, nós aqui apavorados e a senhora tirando fotos?!!

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           ― Todo mundo junto para uma selfie!!! ― clique, foi a resposta de Giô, sem perceber a aproximação de dois dinossauros com caras nada amigáveis. O dinossauro maior soltou um rugido que deixou Kauã e Gustavo de cabelo arrepiado. Abraçados, ficamos em volta de Giô de olhos bem fechados. Logo começamos a sentir um frio subindo pelas pernas e Israel, o único com coragem de abrir os olhos, falou:

           ― Acho que estamos na Era do Gelo! Abrimos os olhos e agora o cenário era completamente outro: os dinossauros tinham sumido e ao fundo havia pequenas ocas e um grande, peludo e barulhento mamute com sua família.

           Atchiiiiiiim!!! - espirraram juntos,Ythan, Gustavo e Camile. Um forte vento nos envolvia e nossa professora continuava leve e solta fotografando tudo.

           ― Bem que a gente poderia ter trazido ao menos um cachecol! ― choramingou, tremendo, Gabriel, o mais prático de nós.

           ― Pois é, se a gente desconfiasse que algo tão maluco aconteceria! - balbuciou Diego mais para consolá-lo.

Giô então resolveu dar a sua versão para o que estava nos acontecendo:

           ― Turma, estamos fazendo uma ab-so- lu-ta- men-te maluca volta no tempo! “Nos tempos”, na verdade... E realmente era de estarrecer aquilo que víamos, principalmente com a explicação que a professora foi dando:

         

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 ― O solo em que nos encontramos, meus queridos, é um local sagrado. Sagrado e fantástico! Uma situação absolutamente incrível se repetiu neste espaço, pelos milhões de anos da existência da Terra. Sempre aqui neste rincão foram enterrados os seres viventes que habitaram a região. Sempre aqui. A começar pelos dinossauros há 200 milhões de anos. Depois, muito depois, surgiram os humanos que em sucessivos grupos ocuparam a região, sempre sendo enterrados aqui.

E a professora Giô pôs-se a relatar o que descobrira em alfarrábios que a bisavó, da bisavó, da tataravó dela trouxera de terras longínquas além oceano, de uma cidade que o tempo apagara.

A professora falou da Era do Gelo que aflorara no cenário, trazendo mamutes, bois almiscarados, rinocerontes lanudos, renas e cavalos selvagens. E enquanto falava de seu grande amor pelos livros ― que além de um imenso mundo de informações, proporcionavam as mais ricas experiências de sua vida

         

 ― índios, dinossauros e toda gama de estranhos animais vagavam ali perto, deixando a classe boquiaberta e muda. Sem parecer notar o que ocorria com os alunos, Giô prosseguia:

           ― Sempre que pego um livro, uso a imaginação para viver o que está acontecendo na história. Certa vez um livro me fez visitar uma floresta e me vi cara a cara com um Antarctosaurus brasiliensis. Não senti o menor medo porque ele é herbívoro. Em  outra ocasião, na mesma floresta, afundei os pés na neve e me diverti observando a preguiça-pré histórica. Mas confesso que esta foi a primeira vez em que vejo ocas de maromomis misturadas com mamutes...

E enquanto a professora divagava, lembrando os tantos livros  que abarrotavam sua preciosa e inseparável mochila,  estrelinhas giravam em cima de sua cabeça. Nós permanecíamos mudos e perplexos: Sarah realmente tinha razão: essa professora era poderosa...

Aquela conversa foi nos acalmando. Cada um passou a lidar com os espaços de maneira diferente, mais despreocupado, admirando a paisagem. Leonardo que sempre trazia um

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bloquinho de anotações no bolso começou a desenhar uma árvore de pau-brasil;

Paulo se divertiu fazendo malabarismo com as pedras que encontrara no chão; e outros colegas aspiravam o perfume das flores.

Fiquei curiosa e perguntei:

        ― Professora Giô, você já fez contato com os maromomis? – todos pararam para ouvir a resposta:

           Sim! Até os ensinei a ler e emprestei dois livros de contos...

Seguiu-se um silêncio que não durou mais que 30 segundos e Eduarda (que não era de falar muito, mas era muito articulada) exclamou:

           Entendi. Assim que os maromomis aprenderam a ler, também puderam viajar no tempo. E assim se explica termos visto ocas na Pré-História e na Era Glacial e o índio maromomi falando em português conosco, quando estávamos no buraco.

Subitamente uma voz desconhecida a interrompeu:

           Você está coberta de razão menina. Sempre que estamos em perigo viajamos no tempo e assim não somos pegos de surpresa pelos tupiniquins!

A voz estranha pertencia a um ser estranho que nos estendia um objeto:

           Isto estava na cabeça do pequeno menino e eu peço desculpas. Atirei a flecha porque de longe pensei que eram invasores...invasores com esse estranho objeto na cabeça...Mas depois reconheci a Giô... O índio falava, estendendo o objeto para João que trêmulo agarrou seu precioso boné.

Por mais que esse momento parecesse mágico para todos, ninguém se atreveu a dizer uma só palavra. Sequer se moveu. A pro Giô então se agachou e abraçou o índio. Um monte de estrelinhas perfumadas giraram em volta da cabeça dele.

Trimmmm! Trimmmm!

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Despertamos com o sinal do recreio tocando. Eram 8:40h, a chuva já havia passado. Fomos levantando meio atordoados, mas com uma alegria no peito. E enquanto a professora Giô guardava o livro dentro daquela mochila, seguimos para o pátio matutando. Será que aquilo tudo havia mesmo ocorrido? Será que era um sonho?

Foi então que, ao tirar o boné da cabeça para comer o lanche, João exclamou:

           Ei, que furo é esse no meu boné?






FIM

(em pé) Diego, Guilherme, Israel, Victor, Leonardo, Paulo, Ythan, Gustavo, Gabriel Samorinha, Kaua, Matheus, João Vitor, João Rogério, Pedro, Gabriel Brito

(sentadas) Julya, Maria Eduarda Gomes, Leandra, Eduarda, Maria Eduarda Oliveira, Laura, Yasmin, Stefanny, Sarah Vitória, Camile, Giovana Fernandes, Giovana Cristina, Sarah Fernandes e Professora Deise

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